sexta-feira, 17 de maio de 2013

Uma história de amargar

Alexandre Magno acorda e não sabe que horas são – até porque isso é algo que não interessa mais. Viciado em drogas, ele está há dias em um de seus apartamentos, em Pinheiros, São Paulo. Ao seu redor a sexta maior cidade do planeta não para um só segundo, mas ele não está no mesmo ritmo. Para quem um dia possuiu apenas uma bicicleta e um apartamento na periferia, Alexandre descobriu aos 42 anos que nem todo o dinheiro e fama bastam. É fim de festa.

Enquanto isso, na mais paulista das avenidas, Kleber Atalla, um motorista particular e comerciante de 51 anos, acelera sua moto CB1000R, um sonho de consumo de qualquer fã da categoria naked – estilo de motocicletas esportivas. “Como estou, onde estou e onde quero chegar?” são perguntas que hoje em dia o cinquentão sabe responder. Há duas décadas livre da cocaína, o Tiozão, como é mais conhecido, já esteve no fundo do poço, mas hoje vive normalmente. Kleber filma seu dia a dia sobre duas rodas e coloca os vídeos no Youtube – é um motofilmador, o maior da atualidade. Um sucesso absoluto, com mais de 45 milhões de visualizações e fama instantânea.

Na Zona Oeste da cidade, entre alucinações e fragmentos da realidade, Alexandre tenta buscar um novo rumo, romper a sombra da própria loucura. O vício compulsivo por drogas já dura oito anos, e se agravou nos últimos 18 meses. Sentir-se bem é algo bastante raro. Separado da esposa e, por acaso, sem compromissos profissionais momentâneos, o músico, cineasta, poeta, roteirista e empresário está há dias sem ao menos ir até a rua, ou comer. A cerveja e o pó são tudo o que resta.

Atalla chega em seu escritório, na Barra Funda. Liga para seu patrão (faz questão de chamá-lo assim), que não o atende, e prossegue a rotina. Ele vende acessórios para motocicletas, que são sua grande paixão. Com a cabeça erguida e mantendo a fé em Deus, Kleber vê seu negócio crescendo – e as horas do dia passando. Sintonia, telepatia, algo diz ao Tiozão que as coisas não vão bem. O dia de luta acaba e às 18h ele monta na Kátia Flávia (a moto tem nome), liga sua câmera GoPro que fica sobre o capacete, e filma o caminho para casa.

O corpo de Alexandre não aguenta mais. O cantor sempre disse que o vício não era sério. Todos os outros discordam. Sua esposa, Graziela Gonçalves, não suportou a rotina da droga e exigiu separação. Não cansada de tentar de novo, ela achou que a distância ajudaria ele a entender que o problema estava fora de seu alcance.  Não adiantou. A depressão não o deixou viver. Em uma das piores condições que o ser humano pode atingir, deitado no chão da cozinha divagando, ele perdeu para o vício. Não se sabe a hora exata, mas a droga venceu. Mais um impotente diante da química poderosa, devastadora.

Em sua casa, Tiozão não coloca no ar todos os vídeos do dia. A alegria e o bordão “Salve salve gatinha, salve salve rapaziada, tá piscando, tá gravando” ficam um pouco de lado, dando espaço à tensão. Atalla sabia que alguém iria estragar seu dia. Tenta telefonar para seu patrão mais uma vez, querendo ouvir apenas uma palavra amiga ou uma notícia boa, mas novamente é ignorado. Kleber vai dormir, pois é terça-feira, e a semana é longa.

Ainda não são 5h da manhã. Tiozão não consegue mais dormir. Como se o silêncio dissesse tudo, a sensação de caos é gritante. Ele não aguenta mais. Levanta, telefona para Victor Augusto Mehl, que também é funcionário do patrão, e junto com ele vai até o apartamento em Pinheiros. Kleber sobe, abre a porta, e após algum tempo de procura encontra o corpo sem vida atirado ao chão. “Meu patrão está morto, o Chorão está morto”.

Antes de qualquer outro, o Tiozão teve que encarar a realidade. O grande amigo de Chorão sofreu antes dos familiares, dos outros amigos e dos milhões de fãs. O músico atingiu a todos através da sua ausência com a mesma intensidade de suas letras. O poeta urbano deixou um filho, 11 álbuns, centenas de composições e um legado. Sem o Marginal Alado, a música e o skate brasileiro ficaram órfãos.

Em poucos segundos, Kleber teve de agir, acionar a polícia e transmitir a notícia que tomaria conta do Brasil em algumas horas. De alento, uma última mensagem deixada por Chorão. Ele se libertou. Fez o que precisava fazer, e o que havia avisado que faria. “Fiz essa canção pra dizer algumas coisas. Cuidado com o destino, ele brinca com as pessoas. Tipo uma foto com sorriso inocente, mas a vida tinha um plano e separou a gente. (...) A vontade de te ver já é maior que tudo e não existem distâncias no meu novo mundo”.

Ele dizia Charlie, nós sempre diremos Brown.


Kadu Reis