Alexandre
Magno acorda e não sabe que horas são – até porque isso é algo que não
interessa mais. Viciado em drogas, ele está há dias em um de seus apartamentos,
em Pinheiros, São Paulo. Ao seu redor a sexta maior cidade do planeta não para
um só segundo, mas ele não está no mesmo ritmo. Para quem um dia possuiu apenas
uma bicicleta e um apartamento na periferia, Alexandre descobriu aos 42 anos
que nem todo o dinheiro e fama bastam. É fim de festa.
Enquanto
isso, na mais paulista das avenidas, Kleber Atalla, um motorista particular e
comerciante de 51 anos, acelera sua moto CB1000R, um sonho de consumo de
qualquer fã da categoria naked –
estilo de motocicletas esportivas. “Como estou, onde estou e onde quero
chegar?” são perguntas que hoje em dia o cinquentão sabe responder. Há duas
décadas livre da cocaína, o Tiozão, como é mais conhecido, já esteve no fundo
do poço, mas hoje vive normalmente. Kleber filma seu dia a dia sobre duas rodas
e coloca os vídeos no Youtube – é um
motofilmador, o maior da atualidade. Um sucesso absoluto, com mais de 45
milhões de visualizações e fama instantânea.
Na Zona Oeste
da cidade, entre alucinações e fragmentos da realidade, Alexandre tenta buscar
um novo rumo, romper a sombra da própria loucura. O vício compulsivo por drogas
já dura oito anos, e se agravou nos últimos 18 meses. Sentir-se bem é algo
bastante raro. Separado da esposa e, por acaso, sem compromissos profissionais
momentâneos, o músico, cineasta, poeta, roteirista e empresário está há dias
sem ao menos ir até a rua, ou comer. A cerveja e o pó são tudo o que resta.
Atalla chega em
seu escritório, na Barra Funda. Liga para seu patrão (faz questão de chamá-lo
assim), que não o atende, e prossegue a rotina. Ele vende acessórios para
motocicletas, que são sua grande paixão. Com a cabeça erguida e mantendo a fé
em Deus, Kleber vê seu negócio crescendo – e as horas do dia passando.
Sintonia, telepatia, algo diz ao Tiozão que as coisas não vão bem. O dia de
luta acaba e às 18h ele monta na Kátia Flávia (a moto tem nome), liga sua
câmera GoPro que fica sobre o
capacete, e filma o caminho para casa.
O corpo de
Alexandre não aguenta mais. O cantor sempre disse que o vício não era sério.
Todos os outros discordam. Sua esposa, Graziela Gonçalves, não suportou a
rotina da droga e exigiu separação. Não cansada de tentar de novo, ela achou
que a distância ajudaria ele a entender que o problema estava fora de seu
alcance. Não adiantou. A depressão não o
deixou viver. Em uma das piores condições que o ser humano pode atingir,
deitado no chão da cozinha divagando, ele perdeu para o vício. Não se sabe a
hora exata, mas a droga venceu. Mais um impotente diante da química poderosa,
devastadora.
Em sua casa, Tiozão
não coloca no ar todos os vídeos do dia. A alegria e o bordão “Salve salve
gatinha, salve salve rapaziada, tá piscando, tá gravando” ficam um pouco de
lado, dando espaço à tensão. Atalla sabia que alguém iria estragar seu dia. Tenta
telefonar para seu patrão mais uma vez, querendo ouvir apenas uma palavra amiga
ou uma notícia boa, mas novamente é ignorado. Kleber vai dormir, pois é
terça-feira, e a semana é longa.
Ainda não são
5h da manhã. Tiozão não consegue mais dormir. Como se o silêncio dissesse tudo,
a sensação de caos é gritante. Ele não aguenta mais. Levanta, telefona para
Victor Augusto Mehl, que também é funcionário do patrão, e junto com ele vai
até o apartamento em Pinheiros. Kleber sobe, abre a porta, e após algum tempo
de procura encontra o corpo sem vida atirado ao chão. “Meu patrão está morto, o
Chorão está morto”.
Antes de qualquer
outro, o Tiozão teve que encarar a realidade. O grande amigo de Chorão sofreu
antes dos familiares, dos outros amigos e dos milhões de fãs. O músico atingiu
a todos através da sua ausência com a mesma intensidade de suas letras. O poeta
urbano deixou um filho, 11 álbuns, centenas de composições e um legado. Sem o
Marginal Alado, a música e o skate brasileiro ficaram órfãos.
Em poucos
segundos, Kleber teve de agir, acionar a polícia e transmitir a notícia que
tomaria conta do Brasil em algumas horas. De alento, uma última mensagem
deixada por Chorão. Ele se libertou. Fez o que precisava fazer, e o que havia
avisado que faria. “Fiz essa canção pra dizer algumas coisas. Cuidado com o
destino, ele brinca com as pessoas. Tipo uma foto com sorriso inocente, mas a
vida tinha um plano e separou a gente. (...) A vontade de te ver já é maior que
tudo e não existem distâncias no meu novo mundo”.
Ele dizia
Charlie, nós sempre diremos Brown.
Kadu Reis